Programação Fetal

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O desempenho e a qualidade de carne de um animal podem ser afetados pela dieta materna durante a gestação e a lactação. Esse fato é de extrema importância para tomada de decisão do produtor, principalmente durante o início da vida de um animal, a qual influenciará diretamente o desempenho final do mesmo. Pode se chamar de programação fetal as mudanças no desenvolvimento fetal ou do neonato que ocorreram em função do ambiente materno e que afetam o desempenho e a qualidade dos produtos produzidos por toda a vida do animal, assim sendo, quando é mencionado “início na vida”, refere-se aos nutrientes que chegam ao ambiente uterino e a composição do leite que o indivíduo receberá.

Godfrey e Barker (2001) com base em estudos epidemiológicos que investigaram como a baixa ingestão de nutrientes pelas mães gravidas afetou a saúde de seus filhos, a longo prazo, propuseram a ideia de que o crescimento pós natal e da produção é sensível aos efeitos diretos e indiretos da nutrição materna.

No caso da bovinocultura de corte brasileira, o desenvolvimento do feto pode ser afetado negativamente, devido à baixa qualidade e disponibilidade de nutrientes para as vacas. Isso é dependente do período em que ocorrem a estação de monta e de parição, bem como o meio e o terço final da gestação. Normalmente o meio e o terço final da gestação ocorrem no período de escassez de chuvas, o que resulta em pastos com baixa qualidade e oferta de forragem. Dessa forma, as vacas gestantes estariam em situação de subnutrição.

Na figura 1 têm-se um gráfico da oferta de energia, ou seja, a disponibilidade de foragem ao longo do ano, versus a demanda energética de uma vaca gestante também ao longo do ano.

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Figura 1: Oferta de energia versus a demanda energética ao longo do ano no Brasil

Quando essas informações são confrontadas podemos notar que em situação normal enfrentada no Brasil em que a maioria das vacas emprenham no mês entre os meses de novembro, dezembro e janeiro, o terço médio e final da gestação se dão nos meses de abril a agosto, onde têm-se a menor oferta de foragem, podendo assim concluir a falta de nutrientes chegando para o feto e a necessidade da suplementação.

De acordo com Wu et al, 2006 são dois os principais fatores que prejudicam o crescimento fetal: a insuficiência na capacidade uterina e a nutrição materna inadequada. Portanto, o retardo no crescimento fetal é devido à má alimentação da mãe durante a gestação. Em resposta a nutrição materna, as alterações no estado endócrino e nutricional do feto, podem resultar em adaptações do desenvolvimento que mudarão permanentemente a estrutura, a fisiologia, o metabolismo e o crescimento pôs natal da cria (WU et al., 2006), o que poderá influenciar a qualidade da carcaça e da carne.

Em relação as fibras musculares, a maioria delas forma-se na fase fetal, entre o segundo e o oitavo mês de gestação em bovinos (Figura 2). Assim sendo, um déficit nutricional das vacas nesta fase reduziria a formação das fibras musculares durante a gestação, e como resultado, consequências fisiológicas negativas irreversíveis para a cria (ZHU et al, 2006).

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Figura 2. Efeitos da nutrição materna sobre o desenvolvimento do músculo esquelético fetal bovino. As datas são estimadas com base. principalmente em dados de estudos em ovinos, roedores e em seres humanos e representam a progressão através das diversas fases de desenvolvimento. Fonte: Adaptada de Du et al. (2010).

Embora a restrição de nutrientes no final da gestação em bovinos tenha impacto negativo significativo sobre o número de fibras musculares, a restrição neste momento pode também diminuir o tamanho das fibras musculares (DU et al., 2010).

O maior número de fibras musculares é uma vantagem para aumentar a percentagem de carne magra e a eficiência de crescimento dos animais. A hiperplasia muscular, ou seja, o aumento no número de fibras musculares é fixa e na maioria das espécies e ocorre até o final da gestação, porém a hipertrofia, aumento do tamanho da fibra muscular, pode ser afetada por diversos fatores após o nascimento (REHFELDT et. al, 2004).

Cerca de 80% do tecido adiposo fetal é depositado nas últimas semanas de gestação, mas o desenvolvimento dos adipócitos começa no início da gestação. O crescimento do tecido adiposo se dá através da proliferação dos pré-adipócito, a qual afeta a formação de novos adipócitos maduros (hiperplasia), e também através da hipertrofia, o aumento do tamanho e da capacidade de armazenamento de lipídeos nos adipócitos maduros. Esse crescimento através da hiperplasia dos adipócitos ocorre, principalmente durante o final do desenvolvimento fetal e o início da vida em bovinos (ZHU et al, 2007). Diante disso, uma restrição nutricional para as vacas, a partir do meio da gestação, poderia prejudicar a adipogênese e, consequentemente, a possibilidade de obter carnes com maior grau de marmoreio.

Visando à melhoria do desempenho da cria, a manipulação da dieta materna é vantajosa. Durante a fase fetal há abundância de células multipotentes que são capazes de se diferenciar em tecido muscular ou adiposo, assim influenciará diretamente a qualidade da carne e o desempenho na fase adulta.

Com base nestas considerações, deve-se promover a suplementação nutricional adequada das matrizes durante todas as fases da gestação, evitando a prática tradicional de suplementar as vacas, somente no terço final da gestação, presumindo que nesta etapa, em função do maior crescimento do feto ocorre maior demanda de nutrientes. De maneira geral, as vacas têm como prioridade as demandas nutricionais para sua manutenção, posteriormente direcionam os nutrientes para lactação com vistas a preservar o bezerro, e por último carreiam nutrientes para gestação. Analisando as condições das pastagens do Brasil e dependendo da estação de monta, teremos numa parte da gestação (Desmana no mês de maio) a vaca com o bezerro ao pé, coincidindo com o início do período de seca, e consequentemente as pastagens disponíveis são de baixa qualidade.

REFERENCIAS

DU, M. et al. Fetal programming of skeletal muscle development in ruminant animals. Journal of Animal Science, v. 88, 2010.

GODFREY, K.M.; BARKER, D.J.P. Fetal programming and adult health. Public Health Nutrition, v.4, p.611-624, 2001.

REHFELDT, C., I. FIEDLER, STICKLAND, N. C. Number and size of muscle fibers in relation to meat production. In: PAS, M.F.W.; EVERTS, M.E.; HAAGSMAN, H. A. Muscle development of Livestock Animals Physiology, Genetics and Meat Quality. Cambridge: CABI Publishing, 2004. P. 2-30.

WU, G. et al. Board-invited review: Intrauterine growth retardation: Implications for the animal sciences. Journal of Animal Science, v. 84, p. 2316–2337, 2006.

ZHU, M. J. et al. Maternal nutrient restriction affects properties of skeletal muscle in offspring. The Journal of physiology, v. 575, p. 241–250, 2006.

ZHU, M.J; DU, M.; HESS, B.W.; MEANS, W.J.; NATHANIELSZ, P.W.; FORD, S.P. Maternal nutrient restriction upregulates growth signaling pathways in the cotyledonary artery of cow placentomes. Placenta, v.28, p.361-368, 2007.

Autora: Viviane Aparecida Amin Reis
Doutora em Zootecnia- Nutrição e Produção de Ruminantes

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